“Não matarás”. E o governo pode?

02/27/2021

08:43:58 PM

Geral


“Não matarás”. E o governo pode?

*Pe. Ermanno Allegri

Um dos mandamentos de Deus a Moisés (Êxodo 20,13) foi não matar, porém, o governo Bolsonaro tem promovido um verdadeiro genocídio. É só conferir a trágica administração da falta de oxigênio em muitos hospitais. Nosso sistema falhou miseravelmente porque este homem teve campo aberto para desmantelar todas as instituições com as quais o país contava. A intolerância e o ódio afundaram as raízes: anos tristes, em que os piores entre nós foram encorajados. Apesar de tudo isso, há pessoas que ainda apoiam o Projeto Bolsonaro, o “exterminador do presente”. Não estamos diante da incompetência de uma pessoa, mas de um plano pensado e executado friamente. Fico feliz quando leio reação contrária dos setores vivos da sociedade. Somos muitos, todos do mesmo lado. Então: “O que sustenta os monstros responsáveis por esta tragédia? Quais interesses dos bilionários donos de bancos, dos militares, da justiça, dos partidos, da mídia e das igrejas conseguem garantir sua continuidade? Porque não afundam?” O que mais me deixa intrigado é o apoio de setores de igrejas aos que estão abortando o país. Isso deve parar. Se querem viver de acordo com Jesus Cristo, não podem, não devem fazer parte dessa pilhagem. Para estes cristãos (eles não gostam de Papa Francisco!) quero citar a encíclica Irmãos Todos, Nº 86: “Às vezes deixa-me triste o fato de a Igreja ter demorado tanto tempo a condenar energicamente a escravatura e várias formas de violência. Hoje, com o desenvolvimento da espiritualidade e da teologia não temos desculpas”. Quais espiritualidade ou teologia estão orientando as escolhas das igrejas? O “não matarás” ainda vale? Jesus Cristo sempre brigou com os saqueadores da vida. Francisco continua: “A fé deve manter vivo o senso crítico perante essas tendências e ajudar a reagir rapidamente (...) Por isso é importante que a catequese e a pregação incluam, de forma clara e direta... a convicção sobre a dignidade inalienável de cada pessoa humana.” Não conheço nas igrejas propostas de mudanças a partir da pandemia, a não ser na palavra de Francisco. No seu livro Vamos Sonhar Juntos chama a humanidade a se deixar transformar pela dor do próximo. Se grande é o sofrimento, ele diz, é tempo de sonhar grande. Deus e a realidade nos desafiam a criar algo novo, e olhar para todos os vírus, como o tráfico de armas e de pessoas, a fome, a destruição da natureza. Francisco convida a igreja e a humanidade a dar uma resposta de esperança no rumo de Cristo que começou a regenerar o mundo a partir dos lugares de pecado, de misérias, de exploração e de solidão. Ah, como isso faz falta em muitas comunidades. Deixo uma proposta: Que as igrejas convoquem uma assembleia. Iniciem com uma fogueira queimando os velhos planos de trabalho e abram espaço de oração. Depois, um dia para enxergar as dores da humanidade. Por fim, pensem na ação para criar o novo e como nos agregar aos que já estão engajados nestas dores. São muitos.

(Publicado em 11.02.2021 no O Povo de Fortaleza, CE)

*Vigário coajudor na Paróquia de Tabuba e do Movimento Igreja em Saída

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